Etanol anidro a 30%: mito, verdade e o que muda para os motores

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Coluna do Professor: Etanol anidro a 30%: mito, verdade e o que muda para os motores

O anúncio do aumento do teor de etanol anidro na gasolina brasileira para 30% movimentou debates em oficinas, faculdades de engenharia e até entre motoristas comuns.

Não é para menos. A gasolina é o combustível mais consumido no país, e qualquer alteração na sua formulação mexe com o bolso do consumidor, com a estratégia da indústria automotiva e, claro, com a rotina dos reparadores.

Mas, afinal, o que significa essa mudança? Há riscos para os motores? Ou estamos diante de uma polêmica maior do que a consequência?

O que é o etanol anidro e como ele entra na gasolina

Antes de mergulhar nas implicações mecânicas, vale retomar conceitos básicos. O etanol anidro é aquele que contém, no máximo, 0,4% de água em sua composição. Esse resultado é obtido por meio de processos industriais de desidratação, que podem variar em sofisticação. Em destilarias convencionais, a chamada destilação fracionada entrega o etanol hidratado, entre 95,1 e 96 GL. Já sistemas mais avançados, com peneiras moleculares ou tecnologias de membranas, conseguem produzir diretamente o anidro.

No Brasil, esse etanol não chega ao consumidor final em sua forma pura. Ele serve como aditivo da gasolina tipo A, um derivado de petróleo sem adição de etanol, refinado no Brasil ou importado. Nas distribuidoras é que ocorre a mistura, em proporções rigidamente controladas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Portanto, qualquer mudança no teor de etanol é definida por política pública, não pelo posto de combustível.

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O mito da corrosividade

Uma das primeiras preocupações que surgem quando se fala em aumento de etanol é a corrosividade. Há quem diga que mais etanol significa mais danos ao sistema de alimentação. É aqui que precisamos separar mito de realidade.

O etanol anidro, em si, não é corrosivo a muitos metais. No entanto, quando misturado a gasolina, eleva consideravelmente o potencial corrosivo da mistura.

Do ponto de vista acadêmico, existe literatura que comprova que o etanol aumenta o potencial de corrosão do combustível. Mas, na prática, o impacto é muito menor do que muitos imaginam, principalmente porque a indústria automotiva nacional já projeta seus motores e sistemas de combustível para conviver com altas proporções de etanol desde os anos 2000.

A grande vilã é a água presente no etanol hidratado, que favorece processos de oxidação em tubulações, bicos injetores e bombas de combustível.  No entanto, um problema que não deve ocorrer nos motores projetados para funcionar apenas com etanol.  Essa água também pode aparecer de outras formas: má vedação nos tanques de armazenamento, adulteração criminosa ou mesmo pela chamada “condensação” em veículos que ficam longos períodos parados. Isso sem falar do ilegal “batismo”. Mas isso já é uma outra conversa.

E os motores flex?

Essa talvez seja a parte mais tranquila da discussão. Os motores flex foram concebidos justamente para operar com qualquer mistura entre 0% e 100% de etanol hidratado. Isso significa que, para eles, rodar com gasolina contendo 27% ou 30% de etanol anidro não muda absolutamente nada. As estratégias de injeção, ignição e até a resistência dos materiais já são projetadas para suportar esse cenário.

Em resumo: o motorista de um carro flex não precisa se preocupar. Para ele, a mudança é transparente. O que esperar? Muito pouca diferença. Mas certamente, um aumento de consumo.

O problema dos carros antigos e importados

A história muda de figura quando falamos de veículos importados. Nos Estados Unidos, a gasolina leva no máximo 10% de etanol (E10). Na Europa, essa proporção é semelhante. Isso significa que o mapeamento do módulo de injeção desses carros não está preparado para lidar com o nosso E30.

Na prática, o que acontece? A central eletrônica tenta corrigir a mistura, já que a presença de mais etanol exige mais combustível para manter a relação estequiométrica. Mas há um limite para essa compensação. E, quando ele é ultrapassado, começam os sintomas: partidas a frio mais difíceis, engasgos, aumento de consumo e até a luz de injeção acesa.

O reparador atento pode identificar isso no scanner. Se as correções de mistura aparecem constantemente no limite superior, é sinal de que o módulo chegou ao fim da sua capacidade de ajuste.

O mesmo pode ocorrer com os veículos injetados mais antigos (década de 80 e 90).

Ja os veteranos carburados podem ser adaptados pela recalibração do carburador e do sistema de ignição.

Com relação a corrosão, um tratamento superficial de algumas peças que ficam em contato direto com o combustível pode se fazer necessario.

Contudo, uma medida rápida, prática e eficaz é: drenar o tanque e abastecer com gasolina premium, que possui menor teor de etanol anidro (cerca de 25%). Isso pode ajudar muito a reduzir o problema.

Motores de injeção direta: um capítulo à parte

Outro ponto que merece atenção são os motores de injeção direta, tecnologia cada vez mais presente no Brasil. Diferente da injeção indireta, em que o combustível passa pelo coletor de admissão, na direta ele é pulverizado diretamente dentro da câmara de combustão, sob alta pressão. Isso exige injetores muito mais sofisticados e sensíveis.

Tenho conduzido, com colegas, estudos em injetores, que utilizam apenas etanol, que apresentaram falhas recorrentes de entupimento e até trincas. Em análises iniciais, encontramos depósitos sólidos formados por cristais de etanol, alumínio e até elementos utilizados em aditivos de lubrificantes.  Contudo, Ainda não há consenso definitivo sobre a origem desses depósitos.

E no fim das contas, o que muda?

O aumento do etanol anidro para 30% é mais polêmico do que problemático. Para a frota nacional de veículos flex, não há qualquer impacto relevante. O cuidado maior deve ser direcionado aos antigos e importados, cujos sistemas de gerenciamento eletrônico não foram desenhados para lidar com tanto etanol. E, claro, permanece a necessidade eterna de vigilância contra combustíveis adulterados, que continuam sendo a grande dor de cabeça nas oficinas.

No final, a lição que fica é simples: informação técnica e acompanhamento próximo da realidade de oficina são as melhores ferramentas que temos para separar o mito da verdade e manter os motores funcionando de maneira confiável, mesmo em tempos de mudanças no combustível.

Fernando Landulfo é engenheiro mecânico, professor universitário e especialista em motores de combustão interna. Landulfo é co-criador do Auto Acadêmico, um canal no YouTube dedicado a explorar a mecânica automobilística com rigor científico – https://www.youtube.com/@AutoAcademico

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