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Dia do Mecânico: Mulheres que aceleram o motor da reparação automotiva
No dia 20 de dezembro, o Brasil celebra o Dia do Mecânico, profissão essencial que movimenta o país, garante a segurança dos ocupantes de um veículo e sustenta o coração da mobilidade. Uma profissão que exala paixão, é muito difícil ver um profissional da reparação que não seja apaixonado por carros, máquina e motores.
Porém, ser mecânico é mais do que entender de peças e sistemas, é mais do que uma paixão. É cuidar do que move a vida das pessoas, do carro de passeio à frota que abastece o comércio, da picape de trabalho ao ônibus que leva os filhos à escola. Todos quem que passar por um mecânico para funcionar perfeitamente e assegurar a integridade dos envolvidos.

Por trás de cada diagnóstico preciso e de cada reparo bem-feito, há muito mais do que técnica: há responsabilidade, raciocínio e dedicação. E cada vez mais, há também mulheres. Profissionais que desafiam estereótipos, vestem o macacão, assumem a bancada, mostrando mostram que competência não tem gênero e que a mecânica é para quem gosta e estuda.
A Revista Oficina News este ano quis fazer diferente. Neste dia 20 de dezembro vamos comemorar o Dia da Mecânica, para isso conversamos com quatro dessas profissionais apaixonadas que representam uma nova engrenagem no setor automotivo: Keren Kambios – Oficina Cte Keren Kambios – @kerenkambios; Priscila Kagohara Santos – Centro Automotivo Zelito – @oficinademenina; Graciane Filetto – Pink Filetto Auto Car – @pinkfiletto; e Cybelle Silva, Dona Onça – Oficina PlayMobil Performance- @cybel_le_mecanica.
Todas fazem parte da AMMA – Associação Brasileira das Mulheres do Mercado Automotivo, e juntas contam histórias de coragem, superação e amor pela mecânica.
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Keren: de telefonista a autoridade em transmissão automática
“Eu nasci bebendo gasolina”, brinca Keren, ao lembrar da infância passada na oficina do pai. “Meu pai é mecânico, então eu ser criada nesse ambiente sempre foi natural pra mim.”
Ela começou cedo, aos 15 anos, no telefone da oficina. “Comecei como telefonista, depois recepcionista, gerente… até chegar na chefia. Mas eu queria o operacional. Queria estar na bancada, porque era lá que estava o faturamento, o aprendizado, o respeito.”
O caminho foi difícil. “Meu pai é o meu único hater”, diz, rindo. “Ele não queria mulher na oficina, muito menos na bancada.” Mesmo com resistência, Keren insistiu. Estudou, fez cursos, se especializou e mergulhou de vez no universo das transmissões automáticas — um segmento altamente técnico e quase exclusivamente masculino.

“Eu queria que os funcionários e os clientes me respeitassem. Então eu precisava saber o que estava falando. Fiz vários cursos, aprendi com os colegas, e fui me tornando referência.”
Hoje, Keren é a única mulher do Brasil especializada em transmissão automática, ministra treinamentos e se tornou um nome reconhecido nas redes sociais. “Vinte anos atrás, quase não existiam mulheres no setor. Hoje somos muitas, e isso é uma vitória coletiva.”
Priscila: a gestão familiar e o olhar feminino na gestão

Na oficina de Priscila, o ronco dos motores se mistura à história da família. “Meu pai abriu a oficina em 1990, e desde pequena eu vivia lá. A gente ia todo mundo junto na Kombi — meus pais, eu e meu irmão. Era a nossa vida.”
A mãe, dona de uma habilidade rara, acabou se tornando cabeçoteira. “Ela começou no administrativo, mas foi pro operacional. Isso, nos anos 1990, era impensável pra muitas famílias.”
Com o tempo, Priscila seguiu o mesmo caminho. Estudou administração, ajudou a modernizar a gestão da oficina e, há sete anos, assumiu a sociedade com os pais. “Implantei sistema, organizei o financeiro, e o negócio cresceu. Mas eu queria mais. Queria trazer o olhar feminino pro atendimento, fazer o cliente se sentir acolhido.”
O resultado foi uma oficina moderna e transparente. “Quando a cliente chega, eu mostro a peça velha e a nova. Ela entende o que está pagando, e isso muda tudo. É empatia, é confiança. Aqui, a mulher não se sente deslocada — se sente parte do processo.”
Hoje, a oficina tem público equilibrado entre homens e mulheres. “Meu pai, que era desconfiado, hoje se orgulha. Ele vê que o jeito feminino de conduzir é um diferencial.”
Pink: o legado que ganhou nova cor
A história de Pink Filetto é de insistência e reinvenção. Filha de Cícero Filetto, fundador da tradicional Auto Mecânica Filetto, ela cresceu ouvindo o barulho dos motores e pedindo um macacão de presente. “Mas meu pai dizia que oficina não era lugar pra mulher.”

Ela tentou seguir outros caminhos — foi bancária, vendedora —, até que conseguiu convencê-lo a deixá-la entrar na oficina. “Foi natural. Quando percebi, já estava ali, aprendendo, me apaixonando.”
Depois da morte do pai, Pink assumiu o comando e criou a Pink Filetto, uma oficina totalmente reformulada, mas com o mesmo DNA. “Eu quis continuar o legado dele, mas com a minha identidade. Trouxe cor, leveza e acolhimento. Tudo foi acontecendo de uma maneira muito natural, muito orgânica, a questão das mulheres vindo para a oficina. E foi todo o cenário da oficina, o nosso “Oceano Pink” foi mudando também gradativamente. Hoje eu tenho uma oficina 100% Pink, nós atendemos o ser humano, mas o nosso foco, o nosso público é o público feminino”.
Hoje, a Pink Filetto é referência nacional, com mais de 60% de clientes mulheres. “Temos três gerações de clientes. Elas vêm porque confiam. Aqui, explicamos tudo com transparência. A mulher entende o que está acontecendo com o carro e se sente segura.”
Mais do que uma oficina, a Pink Filetto virou um símbolo de representatividade. “As mulheres se reconhecem aqui. A gente mostra que mecânica também é sobre acolher, cuidar e transformar.”
Cybelle: a curiosidade que virou profissão

A mecânica Cybelle entrou na oficina quase por acaso. “Eu já gostava de carro, mas achava que meu lugar era no administrativo. Até que o meu carro ficou três meses parado no fundo da oficina. Aí não deu: vi vídeos no YouTube e resolvi desmontar o motor sozinha.”
Deu certo. O carro voltou a funcionar — e Cybelle descobriu sua vocação. “Fiz o curso na Escola do Mecânico, mesmo com resistência da família. E hoje, três anos depois, estou firme no operacional.”
Casada com um mecânico, ela divide a oficina com o marido. “Ele achava que eu não ia aguentar o ritmo, mas viu que era paixão de verdade. Agora a gente trabalha lado a lado.”
Cybelle acredita que cada mulher que entra na profissão abre caminho para outras. “A gente precisa de mais visibilidade, de apoio. Mas já conquistamos muito.”
Entre graxa, preconceito e resistência: os desafios de ser mulher na oficina
As histórias de Keren, Priscila, Pink e Cybelle têm pontos em comum: a resistência inicial da família, o preconceito no ambiente de trabalho e a necessidade de provar competência em dobro.
“Meu pai não queria que eu ficasse na bancada. Tive que ser duas vezes melhor pra ser respeitada”, conta Keren. Priscila confirma: “O cliente ainda estranha quando vê uma mulher mexendo no carro. Mas depois que vê o resultado, muda completamente.”
Pink resume o sentimento de muitas. “A gente teve que conquistar o espaço com muito estudo e persistência. As mulheres que estão chegando agora já encontram o chão mais firme, mas o caminho ainda é de superação.”
As quatro concordam que o olhar feminino não apenas transformou o ambiente das oficinas, mas melhorou a relação com os clientes. “A mulher tem uma escuta diferente. A gente explica, acolhe, cria confiança. E isso se reflete no negócio”, diz Priscila.

Tecnologia e capacitação: o novo motor da mecânica feminina
A chegada de veículos híbridos, elétricos e cada vez mais eletrônicos exige atualização constante. E as mulheres da mecânica estão atentas. “Fiz vários cursos de transmissão automática, e continuo estudando. O carro muda todo dia, a gente precisa mudar junto”, explica Keren.
Priscila também aposta na capacitação. “Eu e minha equipe fazemos treinamentos técnicos e de gestão. Não dá mais pra ser só um bom mecânico, tem que entender de tecnologia, atendimento e redes sociais. A cliente chega com informação, e a gente precisa acompanhar esse ritmo.”
Pink acrescenta que o aprendizado vai além da técnica. “Formação é importante, mas comportamento também. A forma como tratamos o cliente, o jeito de comunicar o diagnóstico, tudo isso faz diferença. Hoje a mulher traz um novo padrão de qualidade pra oficina.”
Cybelle, a mais jovem do grupo, vê no aprendizado contínuo o caminho para o futuro. “Comecei na curiosidade, mas agora quero fazer curso de eletrônica automotiva. O carro de hoje é quase um computador, e eu quero estar preparada.”
AMMA: a força da conexão
Todas as entrevistadas são integrantes da AMA – Associação Brasileira das Mulheres do Mercado Automotivo, fundada por Carla Norcia, que define a entidade como “uma capa protetora para todas as mulheres do setor”.

“A AMA veio pra conectar, valorizar e formar. Queremos garantir que nenhuma mulher do setor esteja sozinha”, afirma Carla. Keren vê na associação “a mãe de todos os grupos femininos”. “Antes, a gente se sentia isolada. Hoje, temos rede, apoio, aprendizado.”
Pink completa: “A AMMA é a nossa nave-mãe. Nos reconhecemos nos eventos, criamos laços, fortalecemos umas às outras.” Para Priscila, a força está na união: “Durante muito tempo, as mulheres da oficina não se conheciam. Agora a gente se encontra, se ajuda e cresce juntas. Isso muda tudo.”
O futuro da mecânica tem rosto de mulher
As oficinas estão mudando — e com elas, o perfil de quem comanda. O futuro da reparação é mais diverso, tecnológico e humano. As mulheres não chegaram para competir, mas para somar. Trazem sensibilidade, rigor técnico e empatia — qualidades indispensáveis num setor em transformação.
“Quando eu comecei, não existia espaço. Hoje, eu dou aula. Isso mostra que o impossível era só questão de tempo”, reflete Keren.
Pink encerra com uma mensagem que resume o espírito deste Dia do Mecânico:
“Ser mecânica é trabalhar com as mãos e com o coração. É entender que a gente não conserta só carros — a gente conserta histórias, sonhos e trajetórias. E agora, cada vez mais, essas histórias também têm voz de mulher.”

Carolina Vilanova, editora da Revista e Portal Oficina News, é jornalista (Mtb 26.048) e trabalha desde de 1996 na imprensa editorial automotiva. Em 2003 iniciou sua participação no mercado da reparação e reposição automotiva, inclusive como editora da Revista o Mecânico por 12 anos. No ano de 2014, idealizou o Portal Oficina News, que em 2016 teve sua versão impressa publicada, a Revista Oficina News, sob a chancela da Editora Ita & Caiana. Sob sua responsabilidade editorial, publica também a Revista Frete Urbano.



